[RESENHA #027] A GANGUE DOS SONHOS | LUCA DI FULVIO


Sinopse: Nova York. Nos tumultuados anos 1920, a cidade é, para milhares de europeus, a epítome do “sonho americano”. E não é diferente para Cetta Luminita, uma italiana que, apesar de muito jovem, busca um lugar ao sol com seu filho Christmas. Numa metrópole em plena explosão, onde o rádio está nascendo e o cinema começa a falar, Christmas vai crescer entre gangues rivais, um ambiente de violência e pobreza, com sua imaginação e sua coragem como únicas armas para sobreviver. A esperança de uma nova existência nasce quando ele encontra a jovem, bela e rica Ruth. Uma história vertiginosa e luminosa, magistralmente escrita, uma reflexão sobre a violência cometida contra as mulheres, sobre o racismo e a incomunicabilidade social, um romance sobre a infância roubada. A gangue dos sonhos queima com um ardor violento e redentor, e transporta o leitor para um mundo onde todos lutam para preservar sua integridade. Um romance que se lê de uma só tacada, que se desenrola como um filme e no qual cada página é uma nova sequência.

Resenha/Opinião: Tenho que confessar que a primeira coisa que me chamou a atenção em A Gangue dos Sonhos foi sua capa. A segunda sua sinopse. Também confesso que nunca tinha ouvido falar em Luca di Fulvio, provavelmente, assim como muitos por aqui. Outra confissão foi o risco de ler um livro com quase 600 páginas contando uma história que se passa nos anos 20 o que poderia se crer que era composta de puros clichês.

Porém, bastou um primeiro olhar pelos primeiros parágrafos para se tornar refém de uma epopeia moderna sobre o “sonho americano” que explodiu justamente nos anos 20, onde a América era vista com uma salvadora para muitos estrangeiros que se arriscavam a viagens longas e por vezes perigosas para tentar uma vida melhor na grande nação americana.


A escrita de Luca é majestosa e o escritor não tem medo algum de mostrar o lado perverso dela, o lado sem escrúpulos regado a muita violência e xingamentos, exatamente como o ser humano é, principalmente aquele que vê seus sonhos ruírem pela falsa promessa de que tudo será fácil e sem problemas.

Em se tratando de violência, A Gangue dos Sonhos apresenta toda a verdade sobre uma nação em construção onde ela, a violência, está sempre presente e sem nenhum filtro para o leitor ou leitora. A maior violência mostrada na trama é o estupro e suas consequências tanto para a vítima quanto para o bandido.

"Então ficou de pé e começou a chutá-la. Na barriga, nas costelas, no rosto. Depois, ajoelhando com as pernas abertas sobre o peito dela, para imobilizá-la, deu-lhe outro soco e inclinou-se para a frente, em direção a um saco de pano."


Existem personagens como Cetta Luminita que vê o estupro quase como uma coisa normal e consequente de sua situação inicial. Mas, obviamente, isso muda e muito durante sua história na grande trama de A Gangue dos Sonhos. Outras, porém, como Ruth, vê sua vida destruída, sua infância roubada e o peso psicológico da autodestruição e culpa são imensamente explorados pelo autor. O que nos trás para nós leitores, uma carga emocional quase impossível de se carregar. Aliás, preparem-se, pois as emoções serão muitas.

Como disse, outro lado abordado da violência, fica por conta do perpetuador do ato ou bandido, vilão, como queiram. Di Fulvo mostra toda a construção de um personagem que é puramente maldade, mas o interessante disso tudo é que o autor não mostra apenas aquilo que o vilão é capaz, além dele descrever o porquê de ter chegado a tal ponto de vilania e degradação humana, pode-se dizer que a raiz de todo o mal do personagem é originária de sua criação e convivência paternal, principalmente.


Di Fulvio também mostra como a violência pode ser explorada para fins lucrativos, mesmo que isso custe mais vítimas, principalmente e majoritariamente, mulheres, o que fica claríssimo como a situação feminina daquela época efervescente era degradante e ela servia apenas para o sexo, fosse consensual ou abusivo. Seu papel era o de dona de casa, muitas vezes sofrendo abusos violentos ou de prostituta, geralmente, conformada com o próprio papel e sabendo que estava ali apenas para servir e obedecer.

Mesmo que o papel degradante em que o ser humano pode se prestar com o uso de o que quer que seja para conseguir o que deseja, muitas vezes com o uso extremo da já citada violência, seja branda ou brutal, Di Fulvio não poderia de deixar de lado o papel do amor na escalada pelo tal “sonho americano”.

"Pensava que ficariam ali, um ao lado da outra, esquecidos do mundo ao redor. Acreditava que ela não tiraria um instante sequer os profundos olhos verdes dos seus. E que com aquele olhar sem fim diriam um ao outro tudo aquilo que não vinha aos lábios de dois adolescentes."


Todo e qualquer personagem em A Gangue dos Sonhos, persegue incansavelmente esse sonho e mesmo que já o tenha conseguido, luta também, incansavelmente, para mantê-lo junto de si. Nesse retrato cruel e realista, a tal gangue do título entra em cartaz logo cedo na trama, mas é totalmente desenvolvida nas mãos de Christmas Luminita, que tem a incrível capacidade de fazer com que as pessoas acreditem em tudo aquilo que ele “não” diz [leiam e entenderão o que quero dizer].

Uma das diversas características de A Gangue dos Sonhos é a incrível preocupação que Di Fulvio teve com a construção e evolução de todos, sim, TODOS os personagens que fazem parte dessa incrível história que ele resolveu contar. É extremamente gratificante você saber que seus personagens, sejam bons, ruins e até inexpressivos são respeitados pelo seu criador, o que nos traz uma felicidade imensa em saber que eles não serão simplesmente esquecidos no decorrer da trama, o que acontece com muitas obras disponíveis no mundo da literatura.


Um dos grandes trunfos de A Gangue dos Sonhos foi a grande destreza do autor em apresentar uma história inebriante e fazer com que nós, leitores, nos apaixonássemos por todo o elenco da trama. Digo que quem se “atrever” a conhecer os atores dessa “peça” vai amar ver seus percalços, seus erros e seus acertos. Vai amar os bons e, principalmente, vai se pegar amando odiar os maus e também aqueles que nem são tão maus assim.

Luca Di Fulvo, realmente, foi uma grande surpresa do ano e com absoluta certeza um dos melhores livros que já li na minha vida de leitor. A Gangue dos Sonhos muito me lembrou o formato das histórias contadas por Jeffrey Archer, como em “O Voo do Corvo” e de Sergio Leone, principalmente em “Era Uma Vez na América”, o que por si só já valeria todo e qualquer investimento na leitura deste grande e excepcional ÉPICO.


E, não se espantem se esse grande ÉPICO, um dia, for adaptado para as telonas, pois "A Gangue dos Sonhos", além de tudo, ainda tem um grande viés cinematográfico e fico, realmente, na expectativa de que possa virar ou um grande filme ou uma grande série limitada. Então não percam mais tempo e se aventurem nessa grande história que é realmente, I-M-P-E-R-D-Í-V-E-L.


Sobre o autor: Dramaturgo, Luca Di Fulvio nasceu em Roma em 1957. Ele é autor de dez romances, dois dos quais foram adaptados para o cinema (L’impagliatore – Olhos mortais no Brasil – e La scala di Dioniso). Tornou-se um fenômeno internacional com os sucessos de A gangue dos sonhos, La ragazza che toccava il cielo [A garota que tocou o céu] e, mais recentemente, Il bambino che trovò il sole di notte [O menino que encontrou o sol à noite].

Ficha técnica:
Título: A Gangue dos Sonhos
Autor: Luca Di Fulvio
Tradução: Reginaldo Francisco
Editora: Vestígio [Grupo Autêntica]
Páginas: 592
Ano: 2019
ISBN: 9788554126278

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