[RESENHA #011] INICIO & FIM | FIÓDOR DOSTOIÉVSKI


Sinopse: Vislumbramos, ao ler “Noites brancas”, a imagem de Dostoiévski na mocidade, em seus tempos de inocência, enquanto “O eterno marido” permite que entrevejamos a sua fase madura, tão realista que nem a mínima ilusão, nem a menor utopia, seriam possíveis nela.

Resenha/Opinião: Genial! Simplesmente, genial!! A ideia de se juntar numa única publicação um texto do começo da carreira de Dostoiévski com outro mais próximo de seu final, realmente, foi muito boa. Noites Brancas foi publicado em 1848 e O Eterno Marido em 1870, uma diferença de 22 anos que ficam muito evidentes na escrita deste que é um dos maiores escritores de todos os tempos. 

Essa união de histórias, por si só, já é muito interessante para se analisar o quanto a escrita de Dostoiévski evoluiu ao passar dos anos, com suas experiências de vida, algumas em nada agradáveis, como o tempo que passou preso na Sibéria.

Pois bem!! Vamos aos fatos. A editora Martin Claret, dando continuidade a coleção "classuda" das obras de dOStOiÉVSki, nos apresenta mais uma pérola em capa dura, fonte agradável e na mesma cor da capa, papel pólen [amarelinho] e pintura tridimensional nas laterais, uma beleza de edição. O que demonstra mais uma vez o tremendo respeito que a editora Martin Claret tem por seus leitores, pois a cada lançamento, a cada ideia, resulta em um, ou mais, objetos de prazer e conhecimento que são essas edições espetaculares. Fica aqui, bem registrado, o nosso OBRIGADO, pelo carinho e dedicação a nós leitores.


Dito isso, sigamos com a palavras: Noites Brancas nos apresenta um personagem que em um de seus passeios noturnos encontra uma bela jovem que acaba precisando de sua ajuda. Desse ponto em diante, vemos uma amizade que se criou de uma adversidade e que, aparentemente, pode se tornar duradoura. Mas, o nosso personagem sem nome, acaba desobedecendo a única regra imposta por nossa bela jovem: não se apaixonar, de forma alguma, por ela.

É à partir de uma premissa simples que Dostroiévski nos apresenta uma relação que nunca existiu. Sim, pois, através de nosso não nomeado personagem, o autor cria toda uma expectativa de um relacionamento pela visão de um solitário inveterado. É extremamente interessante ver, através de suas falas verborrágicas que nos apaixonamos pela nossa pequena e inusitada dupla de enamorados.


Noites Brancas apresenta um autor ainda livre de muitas experiências, mas muito íntimo da escrita e que consegue com uma história bastante simples e inocente nos agarrar fazer-nos querer saber qual será o final desse nosso casal adorável. Não existe crítica social, política ou qualquer alusão ao perigo e morte, temas tão usuais na literatura futura de Dostoiévski. Mas mesmo assim, ali via-se o talento de um grande escritor. E é exatamente isso que Noites Brancas é: uma novela de começo de carreira, leve, pueril, muito bem escrita e, diga-se de passagem, um ótimo começo para quem quiser começar a ler Fiódor Dostoiévski.

"Andei muito, e por muito tempo, de sorte que chegara, conforme meu hábito, a esquecer completamente onde estava, e de repente me vi na fronteira urbana. Fiquei alegre num piscar de olhos, atravessei a barreira e fui caminhando por entre os campos semeados e prados: não sentia cansaço, mas tão só percebia, com toda a minha constituição, que um fardo se desprendia da minha alma."
 

Em O Eterno Marido, já encontramos um escritor mais maduro e que não tem medo de se expressar através de seus personagens os colocando em situações que remetem a críticas ao modo de vida do ser humano, suas escolhas e suas consequências. O que foi deixado de fora em Noites Brancas, surgem com força total em O Eterno Marido, como suas críticas sócio-econômico-sociais, a presença da morte, a hipocrisia, a decadência humana e até mesmo o niilismo.

A relação de seus personagens principais, Veltchanínov e Pável Pávlovitch é de um vai e vem tão bem colocado que a cada encontro nossa tensão como leitores e leitoras, cresce a cada diálogo. Tendo o primeiro sido amante da esposa do segundo, tema que por si só já era um tanto polêmico naquela época, Dostoiésvki deslancha uma trama de amor e ódio entre nossos personagens.


Uma coisa interessante que o autor nos demonstra são as contrariedades entre as ações e seus personagens. Por exemplo, Veltchanínov, o traidor, nos é apresentado como um homem aparentemente bacana, que sofre de hipocondria, mas é bem visto pela sociedade. Já Pávlovitch, o traído, é visto como um perdedor, um bêbado e irresponsável que está sempre se envolvendo em problemas e muito mal visto pela sociedade da época.

O brilhantismo da história é exatamente o desenvolvimento de seus personagens contando suas histórias passadas e o encontro no presente trazendo muitas surpresas e resoluções interessantes, com o uso contínuo do humor negro, momentos emotivos e também de ódio e desconfiança, até seu desfecho singular, que por sinal, foi espetacular.


"Esse novo pavor advinha de sua total convicção, a qual se consolidara de súbito em seu íntimo, de que ele, Veltchanínov (e homem mundano), acabaria indo, no mesmo dia e por vontade própria, buscar Pável Pávlovitch. Por quê? Para fazer o quê? Ele ignorava tudo isso e, cheio de asco, nem queria saber de nada; sabia apenas que iria buscá-lo por alguma razão."

Início & Fim, publicado pela editora Martin Claret e com tradução, introdução e notas do grande Oleg de Almeida, é um deleite tanto para aqueles que querem se iniciar na escrita de Dostoiévski quanto para aqueles que já estão acostumados com seus textos. Como disse acima, essa ideia de juntar épocas distintas de um mesmo autor, foi realmente, repito, genial. E, claro, não tem como não dizer que essa leitura é absolutamente I.M.P.E.R.D.Í.V.EL.


Autor: Fiódor Dostoiévski (1821-1881) foi escritor, jornalista e filósofo. Nascido na Rússia, é considerado um dos pais do existencialismo – em virtude de seus romances que retratam de forma ­ filosófica as patologias psicológicas. Após a morte da esposa e do irmão, viu-se afundado em dívidas, tendo de sustentar a família do irmão, o enteado e um segundo irmão alcoólatra. Para fugir à pressão dos credores, acabou se refugiando em diversas cidades da Europa com sua segunda esposa, sem nunca interromper sua produção literária. A necessidade de dinheiro o forçava a concluir rapidamente seus livros e lhe creditou a frase “a pobreza e a miséria formam o artista”. Dentre suas maiores obras estão Crime e castigo, O idiot­a e Os irmãos Karamazov.


Ficha Técnica:
Título: Início & Fim
Autor: Fiódor Dostoiévski
Tradução: Oleg de Almeida
Editora: Martin Claret
Páginas: 228
Ano: 2019
ISBN: 9788544002148 

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