[RESENHA #013] O HOMEM QUE RI | VICTOR HUGO


Sinopse: Em O homem que ri, o leitor depara-se com a infância do pequeno Gwynplaine, na Inglaterra dos fins do século XVII. Os comprachicos, traficantes de crianças, mutilam o menino órfão, transformando-o em um monstro quando lhe cortam os dois lados da boca, com o propósito de transformá-lo em atração nas feiras e circos, abandonando-o à própria sorte. Nos nossos dias, é impossível não recorrer ao mestre e constatar o que subjaz na reflexão de Gwynplaine: “é do inferno dos pobres que é feito o paraíso dos ricos.” Como, em 150 anos após a sua publicação, a contemporaneidade da narrativa é tão tangivelmente real? Ricos e pobres, a aristocracia inglesa e os desafortunados socialmente são levados ao leitor em mais uma obra-prima de Victor Hugo.

Resenha/Opinião: Quando comecei a leitura de O Homem Que Ri de Victor Hugo, não sabia muito bem o que esperar. Já o conhecia como autor de livros como O Corcunda de Notre Dame e Os Miseráveis, ambos ainda não lidos e naquela enorme fila tão conhecida dos leitores; mas, tudo tem seu tempo certo. E foi nesse caminho que eu acabei chegando nesse tão aclamado autor.

Victor Hugo nos leva em uma jornada na vida de Gwynplaine e seus amigos e "familiares". A vida de um garoto está prestes a mudar, mais uma vez, quando é deixado para trás pela tripulação e seus passageiros. Ele é largado em um lugar que não conhece, embaixo de chuva e de uma nevasca aterradora. Sozinho, com fome e frio, aquele garoto só poderia ter uma opção para continuar a viver que era continuar seu caminho longe das águas até encontrar alguém ou algum lugar para se refugiar e obter ajuda.


A noite acaba sendo um terror para aquele garoto solitário e sofrido. Mas mesmo assim teve forças para continuar e, nesse caminho ainda desconhecido, Gwynplaine ouve um som nada comum naquelas paragens obscuras e abandonadas por Deus. O choro de uma criança. Uma criança tão inocente quanto ele, deixada para morrer nos braços de uma mãe morta pelo frio, pelo abandono, ou pela maldade humana, isso nunca iremos saber. Mas para Gwynplaine, aquela criança teria que viver assim como ele e foi nesse caminho que ambos encontraram Ursus, o filósofo e Homos, o lobo. E assim a vida de Gwynplaine muda novamente e pela primeira vez em sua curta vida, ele conhece um pouco do que é ser parte de uma família, a família de Ursus, Homos, Dea e ele próprio. 

"Ele encontrou o sarcasmo; eu encontrei o luto. Como ela estava fria! Toquei sua mão, uma pedra de gelo! Que silêncio em seus olhos! Como alguém pode ser tão besta e morrer deixando uma criança para trás? Pois então agora tenho família! Filho e filha."


Se existe algo que, geralmente, é uma coisa boa é a surpresa. O Homem que Ri me trouxe muito disso, pois a escrita de Victor Hugo é uma das mais sensacionais que eu já tive o prazer de conhecer. Rica e cheia de informações paralelas, mas que no fundo fazem parte de toda a história que ele, por ventura, conte ou venha contar, os leitores se vêm numa "selva" de palavras que, dependendo do ponto de vista de cada um, pode ser um deleite ou um sofrimento.

Em O Homem que Ri, nos deparamos com um infinidade de nomes e locais, postos, cargos e personagens que ao longo de suas mais de 500 páginas vão se assentando em seus respectivos lugares em toda a história de Gwynplaine. Num primeiro momento, podemos pensar que toda a "falação" do autor durante sua narrativa é o que costumamos chamar de "encher linguiça", mas ele mesmo, o autor, joga em nossa cara e com bastante vigor que tudo aquilo é necessário para o conhecimento da época e de como, num aspecto geralmente histórico, pôde influenciar na vida do homem que ri. Aliás, o autor não deixa de fora nada, nem mesmo a origem do sorriso eterno de nosso personagem principal, o que de certa forma é um alívio para nós leitores.

"O Máscara! Em meio a relâmpagos e meteoros, ela podia escolher o imenso serafim de seis asas, mas ela escolhia a larva rastejante. De uma lado, as altezas e as senhorias, toda a grandeza, toda a opulência, toda a glória; do outro, um saltimbanco. E o saltimbanco levava a melhor."


Para que se possa entender bem como funciona a escrita de Victor Hugo, vamos dizer que quando algo se relaciona ao assunto em questão, o escritor nos brinda com toda a história daquela pessoa ou entidade até que tudo fique bem claro e explicado para se continuar a história. Então, dessa forma, em O Homem que Ri, nós vamos encontrar diversas subtramas que juntas formam a grande e principal história de Gwynplaine.

É realmente impressionante como Victor Hugo consegue nos capturar em suas palavras, fazendo com que não consigamos parar de virar as páginas de sua história. Tendo uma escrita fluída, gostosa e muito aconchegante, além de espetacularmente rica, faz com que suas mais de 500 páginas pareçam não ser suficientes para nós, ávidos leitores, deixando no final de tudo um gosto de quero mais e uma saudade enorme de todos seus personagens, mesmo aqueles com um pequeno "papel" na trama, pois todos eles são extremamente bem acabados e construídos para nosso prazer absoluto.


Em toda essa riqueza literária, Victor Hugo ainda nos presenteia com suas críticas explicitas à sociedade daquela época. Deixa bem claro, também, que a hipocrisia não se limitava a uma só camada social e sim "passeava" por toda a casta indo desde os miseráveis até aos da alta sociedade, sem deixar de fora reis, rainhas, príncipes ou qualquer outro tipo de aristocrata que o fosse. Críticas sociais, econômicas e culturais permeiam toda a trama de O Homem que Ri, demonstrando que certas injustiças são mais antigas do que pensamos e de certa forma, Victor Hugo nos parece mais atual do que possamos imaginar.

Todo esse prazer literário se intensifica ainda mais com essa mais do que perfeita edição publicada pela editora Martin Claret, que vem com capa dura e toque aveludado, com uma ilustração que remete ao filme homônimo de 1928, fonte mais do que agradável, papel amarelado e um trabalho editorial impecável. Mais uma vez a editora Martin Claret demonstra que o que importa é trazer para nós leitores, livros com ótima qualidade, histórias arrebatadoras que nos dão prazer por todos os lados. Fica aqui mais uma vez registrado o meu agradecimento por todo esse carinho com os leitores.


"Que o Deus se chame Cristo, ou que se chame Amor, sempre há um momento em que ele é esquecido, ainda que pelo melhor dos sujeitos; todos nós, e mesmo os santos, precisamos de uma voz capaz de nos lembrar, e a aurora faz o divino alertador que existe em nós falar. A consciência grita diante do dever, assim como o galo canta diante do amanhecer."

O Homem que Ri, publicado pela editora Martin Claret, já tomou seu lugar na minha vida de leitor como um dos melhores livros que eu já li em toda minha vida literária e se você, meu querido leitor e leitora quiser ter uma experiência sublime com a riquíssima escrita de Victor Hugo, aventurem-se, pois eu garanto que alguma marca vai ser deixada em sua história literária também. Então, digo com toda a certeza que essa leitura é absolutamente I.M.P.E.R.D.Í.V.EL.


Autor: Victor Hugo nasceu em 26 de fevereiro de 1802, em Besançón. Aos 15 anos se tornou escritor. Escreveu desde poesia lírica, satírica e épica, até romances e dramaturgia em prosa e em versos. Chegou a ser considerado poeta oficial da nação francesa. Em 1827 redigiu o Prefácio de Cromwell, tido como o manifesto do movimento romântico na França. No final da carreira, passou um longo período no exílio, por oposição ao império de Napoleão III. Faleceu em 22 de maio de 1885, em Paris.


Ficha Técnica:
Título: O Homem que Ri
Autor: Victor Hugo
Tradução e notas: Regina Célia de Oliveira
Editora: Martin Claret
Páginas: 514
Ano: 2019
ISBN: 9788544002292

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