Sinopse: É difícil ler o "Diário do subsolo"; é doloroso aceitá-lo. Com uma precisão quase clínica, Dostoiévski traça neste livro o perfil de uma pessoa que, marginalizada social e moralmente, procura vingar-se do mundo inteiro ao qual atribui a culpa de sua humilhação. “Sou um sujeito maldoso!” – reconhece o “homem do subsolo”, antecessor dos misantropos por opção do século XX, e sua maldade se volta, desenfreada, contra os inocentes e, muitas vezes, contra ele próprio. A rebelião existencial do indivíduo reduzido à condição de uma “reles mosca” dá início à minuciosa análise das questões cruciais de poder, justiça e liberdade, cujo frágil equilíbrio se reveste de especial importância em nossa época de revisão e contestação dos valores eternos. Abordando-as de modo lúcido e cortante, o gênio das letras russas deixa à humanidade seu aviso atemporal – Cuidado com o subsolo da alma, que suas portas estão sempre abertas!
Resenha/Opinião: Se alguém me dissesse no passado que em alguns anos no futuro eu estaria lendo clássicos da literatura mundial e principalmente os russos, com certeza eu daria uma bela risada na cara dessa pessoa. Mas como a vida de leitor é uma coisa que muda a todo instante, não é que hoje meu principal foco de leitura são mesmo os clássicos da literatura mundial!! Meu único arrependimento é não ter começo mais cedo essa estrada sem fim, pois a gente sabe muito bem que existem muito mais livros para se ler do que o tempo que temos para eles numa vida só.
Isso tudo pra dizer para vocês que mesmo que o leitor esteja acostumado com o tipo de escrita e enredos clássicos, isso não vai isentá-lo de se surpreender muitas e muitas vezes nesse universo espetacular. Assim, quando comecei Diário do Subsolo, não sabia muito bem o que esperar. Só tinha em mente que era mais um livro do meu escritor favorito, cuja admiração cresce a cada leitura completada. Porém, tenho que confessar que a primeira parte do livro (quase) me induziu ao erro de pensar que Dostoiévski não era o mesmo Dostoiévski nessa obra. Obviamente que eu estava enganado mesmo.
A primeira impressão que se tem de Diário do Subsolo é que nosso personagem sem nome é apenas um "velho adolescente" cheio de vontades sempre contrárias ao das pessoas que os rodeiam. Cheio de arrogância e soberba, se coloca como superior aos seus em diversos momentos de sua "estranha" vida e narrativa. Sem provas de qualquer coisa que nos conte em seu diário, nosso personagem, nos apresenta um texto sobre a inutilidade do homem na sociedade daquela época, com ares de estudioso e entendido do assunto. "Obviamente erudito" por excelência, assim nos parece, em diversas situações, para não dizer todas, se coloca num pedestal (de vidro) e destila todo seu rancor, ódio, arrogância e cinismo das cenas cotidianas do ser humano.
"Metia-me, como que de propósito, em encrencas, mesmo quando não tinha um pingo de culpa. Aquilo era mais vil do que tudo. Entretanto ficava de novo enternecido, cá na alma, arrependia-me, vertia lágrimas e, com certeza, engana a mim mesmo, conquanto não me fingisse nem um pouco."
Mas claro está, que mesmo tudo o que faça seja por desfeita ou pirraça, para contrariar o que está em voga, seja lá o que for, nosso personagem lá no fundo faz tudo isso por um único sentimento, o qual deixo a vocês leitores e leitoras a descoberta. Mesmo que isso não seja intencional, o sentimento é claro ainda antes do final da primeira parte desse maravilhoso livro.
Diário de Subsolo, poder ser visto também, ao meu ver claro, como um metáfora ligada ao nosso subconsciente e todos os nossos desejos (felizmente controláveis, ou não) de expormos nossas sinceras opiniões sem papas na língua diante de diversas situações em nossas vidas; ou mesmo viver de uma forma diferente da imposta pela sociedade da época. O que é bem melhor demostrado na segunda parte do livro.
Se antes nosso personagem era visto, por ele mesmo, como um ser superior e cheio de nuances nada agradáveis, na segunda parte do livro, podemos dizer que chegamos aos porquês da vida dele. Nessa parte podemos acompanhar uma pequena parcela de sua vida que demostra qual o caminho que ele tomou para se tornar o homem do subsolo. É quase como uma demonstração de queda atrás de queda, que o torna narcisista, soberbo e arrogante para com todos.
Dostoiévski chega a ser brilhante quando num roteiro "quase" normal, oferece ao nosso personagem sua redenção através de Lisa, uma prostituta que ainda é nova na profissão, por falta de opção e que deseja desesperadamente sair antes que fique presa para o resto de sua vida. É nesse ponto que encontramos um Dostoiévski mais clássico, jorrando críticas metafóricas através do modo de vida de Lisa. É impressionante como ele conseguia mesclar essas mazelas destilando críticas socioeconômicas em mundo como era o da Rússia naqueles tempos.
Lisa não é apenas uma personagem que pode gerar a "liberdade" do nosso homem sem nome, ela pode ser vista, de uma forma também metafórica, como um contrapeso de nossos sentimentos que muitas vezes se agarram ao que parece ser, pelo menos, uma saída para todos nossos tormentos. Mas isso não isenta nosso personagem de suas culpas, erros e precipitações ao longo de sua vida.
"Pálida feito um lenço, Lisa queria dizer alguma coisa, seus lábios se contorceram dolorosamente; depois, como se uma machadada a tivesse derrubado, ela caiu na cadeira. E ficou, durante todo o tempo em que me ouvia de boca aberta e olhos arregalados, tremendo de pavor. O cinismo, o cinismo de minhas palavras tinha-a esmagado."
Diário do Subsolo foi uma leitura bastante desafiadora e que merece uma releitura assim que possível. A Editora Martin Claret nos brinda com mais uma edição da coleção "classuda" da obra de Dostoiévski e segue o padrão com capa dura, pintura trilateral na com da capa, assim como a fonte agradável e que também empresta a mesma cor da capa e é impressa em papel pólen [amarelinho] de ótima qualidade. Não bastasse a história ser desafiadora e impressionante, a edição é belíssima e com um trabalho de produção impecável. Sem contar que temos a introdução do grande Oleg Almeida, que também foi responsável pela tradução e notas. Sinceramente, mesmo que Dostoiévski não fosse meu escritor favorito de todos os tempos, ainda assim, Diário do Subsolo seria absolutamente I.M.P.E.R.D.Í.V.EL.
Autor: Fiódor Dostoiévski (1821-1881) foi escritor, jornalista e filósofo. Nascido na Rússia, é considerado um dos pais do existencialismo – em virtude de seus romances que retratam de forma filosófica as patologias psicológicas. Após a morte da esposa e do irmão, viu-se afundado em dívidas, tendo de sustentar a família do irmão, o enteado e um segundo irmão alcoólatra. Para fugir à pressão dos credores, acabou se refugiando em diversas cidades da Europa com sua segunda esposa, sem nunca interromper sua produção literária. A necessidade de dinheiro o forçava a concluir rapidamente seus livros e lhe creditou a frase “a pobreza e a miséria formam o artista”. Dentre suas maiores obras estão Crime e castigo, O idiota e Os irmãos Karamazov.

Autor: Fiódor Dostoiévski
Tradução: Oleg Almeida
Editora: Martin Claret
Páginas: 132
Ano: 2019
ISBN: 9788544002346
2 Comentários
Que livro lindo! 🥰
ResponderExcluirAline, realmente esse livro é muito lindo e a coleção toda também é. Muito obrigado pela visita e volte sempre. Beijos.
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