[RESENHA #048] GENTE POBRE & A ANFITRIÃ | FIÓDOR DOSTOIÉVSKI


Sinopse: As obras apresentadas neste volume, traduzidas diretamente do russo por Oleg Almeida, são bem diferentes entre si: a primeira delas, o romance Gente pobre propriamente dito, conta sobre a amizade um tanto estranha, mas nem por isso menos comovente, de um modesto funcionário público, já entrado nos anos, com uma moça novinha, quase adolescente, mantendo eles uma correspondência intensa para trocar, dia após dia, notícias ora tristes, ora animadoras, de sua vida despretensiosa; o tema da segunda, "A anfitriã", parcialmente inspirada pela novela “gótica” A terrível vingança de Nikolai Gógol, é um amor impossível, tão romântico quanto dramático, capaz de levar quem chega a vivenciá-lo muito além daquela banal realidade urbana em que se origina. Leitura indispensável para os aficionados por Fiódor Dostoiévski.

Resenha/Opinião: Mais uma vez eu fui privilegiado com o brilhantismo, mesmo que ainda em ascensão, podemos assim dizer, de um dos meus escritores favoritos. Nessa edição que inclui o primeiro romance de Fiódor Dostoievski, e uma de suas novelas, A Anfitriã, pode-se dizer que a curadoria da editora Martin Claret, mais uma vez acertou em cheio na junção que de uma certa forma exalta um dos sentimentos mais avassaladores que um ser humano pode ter, a solidão. 

Mais evidente no romance Gente Pobre, Dostoiévski nos apresenta uma história cheia de "perdas, necessidades e escolhas desesperadas". A visão do ser humano solitário, seja por opção, necessidade ou até mesmo por medo, é realmente cruel e leva cada um de nós a situações muitas vezes extremas e infelizes. A amizade entre os dois protagonistas principais nos chega de uma forma bastante tocante e carinhosa, mas conforme a história vai sendo contada, essa comunicação começa a parecer um tanto desesperada.


"É claro que as cartas são uma coisa boa: a gente não se entedia tanto assim. E por que o senhor mesmo não vem nunca visitar a gente? Por que será, Makar Alexéievitch? É que agora está perto de nós e poderia arranjar, vez por outra, um tempinho livre. Venha, por favor!" 

Cada qual com sua história, de um lado uma jovem que teve um passado traumático e injusto que acabou se isolando de todos e que também teve que viver sua nova realidade de trabalhadora de baixa classe que luta por qualquer centavo que seja. Do outro, vemos um servidor também de baixa classe, que não é respeitado nem mesmo onde mora, mas que demonstra  um grande respeito por todos e sempre se coloca de uma forma servil e de necessidade perante a sociedade. 

É muito interessante também ver Dostoiévski tecer uma crítica social gigantesca já em seu primeiro romance, que não só engloba nossos principais protagonistas mas também vários outros personagens ao redor de ambos. Também fica bastante claro que o relacionamento dos personagens principais, que se dá através de cartas, é daquelas amizades carinhosas e sem quaisquer segundas intenções, o que ainda era bastante comum naquela época. Mas como não poderia deixar de ser, Dostoiévski traz à tona as mazelas de uma vida miserável onde ambos precisam tomar decisões que afetam não só suas vidas como aquela amizade improvável.
 

Em A Anfitriã, Dostoiévski recorre ao amor impossível, tema também recorrente em seus textos. Porém, aqui nós conhecemos um jovem que se apaixona loucamente pela mulher de um velho soturno, que acaba sendo seu senhorio, pois para ficar perto de sua amada ele aluga um quarto na casa de seu amor não correspondido. A Anfitriã tem toques de perseguição nas entrelinhas de sua história, uma vez que o personagem masculino faz de tudo para ficar próximo de sua amada, mesmo sabendo que ela é uma mulher casada com um homem bem mais velho e tendo sido rechaçado e desencorajado por ela a seguir com aquele sentimento descabido.

Dostoiévski também demonstra toda a fragilidade humana daquela época onde o sofrimento físico era diretamente afetado pelo sofrimento sentimental. A doença, a loucura e a morte eram muito comuns àqueles que sofriam principalmente de amor. A Anfitriã também tem sua dose de crítica socioeconômica e principalmente quanto aos costumes rígidos e, muitas vezes hipócritas da época, além claro do tratamento mais do que injusto e cruel que era dado ao sexo feminino.


"Aquele riso congelado que mortificava todo o ser de Ordýnov não deixava mais o semblante de Katerina. Inesgotável, seu escárnio lhe espedaçava o coração. Esquecido, quase inconsciente de sim mesmo, ele se apoiou na parede com uma das mãos e tirou de um prego a faca antiga e cara do velho."

Em suma, Gente Pobre & A Anfitriã não deixa de ser uma obra muito boa de Dostoiévski e que vai agradar tanto quem já é experiente na escrita do russo como quem está começando nessa estrada sem volta, ainda mais nessa edição em capa dura e com projeto gráfico excelente da coleção que eu chamo de "Elegante" [as capas sem ilustrações, apenas com fontes], que segue o ótimo padrão de seus antecessores. Absolutamente, I.M.P.E.R.D.Í.V.E.L.


Autor: Fiódor Dostoiévski (1821-1881) foi escritor, jornalista e filósofo. Nascido na Rússia, é considerado um dos pais do existencialismo – em virtude de seus romances que retratam de forma ­ filosófica as patologias psicológicas. Após a morte da esposa e do irmão, viu-se afundado em dívidas, tendo de sustentar a família do irmão, o enteado e um segundo irmão alcoólatra. Para fugir à pressão dos credores, acabou se refugiando em diversas cidades da Europa com sua segunda esposa, sem nunca interromper sua produção literária. A necessidade de dinheiro o forçava a concluir rapidamente seus livros e lhe creditou a frase “a pobreza e a miséria formam o artista”. Dentre suas maiores obras estão Crime e castigo, O idiot­a e Os irmãos Karamazov.


Ficha Técnica:
Título: Gente Pobre & A Anfitriã
Autor: Fiódor Dostoiévski
Tradutor: Oleg Almeida
Editora: Martin Claret
Páginas: 238
Ano: 2021
ISBN: 97865591000491

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