
Resenha/Opinião: Mais uma vez, Fiódor Dostoiévski mostra o porquê de ser um escritor tão cultuado muito tempo depois de sua morte e de suas publicações. Em A Dócil, o escritor nos mostra já de cara o relato de uma tragédia até certo ponto, anunciada nos apresentando a história de um casal que tinha tudo para dar errado, mas que mesmo assim, diante dos acontecimentos da vida, resolvem ir em frente.
De um lado temos o homem solitário, orgulhoso, mas com um passado vergonhoso. De outro, temos a mulher sofrida que perdeu tudo e vive quase como escrava na casa de parentes e que se vê quase vendida a troco de nada. Pode parecer chocante esse tipo de situação nos dias de hoje, mas naquela época e na situação em que viviam os russos, isso era propriamente dito, normal. E é nesse tipo de situação em que o autor nos coloca para testemunhar um casal que trava uma guerra silenciosa onde o orgulho é o principal ponto de partida para toda a tragédia.
A morte sempre está presente nas histórias de Dostoiévski e não é diferente em A Dócil, aliás, a introdução do próprio autor já revela que se trata de uma narrativa fantástica e trágica, mas os detalhes somente são apresentados na pessoa do marido, o sofredor orgulhoso e como sempre, também estão presentes as criticas socioeconômicas. Acredito que esse conto foi um enorme tapa na cara da sociedade daquela época e por que não dizer, até a de hoje, pois engana-se quem acredita que não existam mais casamentos arranjados atualmente.
Para mim, a mensagem que Fiódor Dostoiévski talvez quisesse nos passar com esse conto, foi a de que a relação humana é e sempre será conturbada, não importando se essa relação é de amor, de ódio ou mesmo amizade, pois toda e qualquer relação sofre com perdas e ganhos de todos os lados, principalmente se houver a questão do orgulho que tanto nos faz perder. A importância daquilo que queremos para nossas vidas vai depender muito de nossas ações e reações e quem fica, também, de certa forma, tem que lidar com isso.
A narrativa segue com o conto O Sonho de um Homem Ridículo, onde o autor bate sem dó alguma na cara da sociedade. Apesar de ter um tom sombrio, Dostoiévski nos apresenta um relato que ainda é atual nos dias de hoje, onde a depressão, a solidão, o preconceito e a arrogância ainda são muito presentes e com resultados muitas vezes mortais. A metáfora do conto pode ser relacionada tranquilamente com a mítica queda da sociedade que começou com Adão, Eva e a tentação da cobra. Dostoiévski brinca com a perversão do ser puro, amoroso e empático, até que se torne mesquinho, egoísta e malévolo; basicamente, a ascensão da humanidade. É incrível como um conto tão curto pode ter tantas críticas contundentes ao ser humano em todas suas características. É absolutamente I.M.P.E.R.D.Í.V.E.L.
Autor: Fiódor Dostoiévski (1821-1881) foi escritor, jornalista e filósofo. Nascido na Rússia, é considerado um dos pais do existencialismo – em virtude de seus romances que retratam de forma filosófica as patologias psicológicas. Após a morte da esposa e do irmão, viu-se afundado em dívidas, tendo de sustentar a família do irmão, o enteado e um segundo irmão alcoólatra. Para fugir à pressão dos credores, acabou se refugiando em diversas cidades da Europa com sua segunda esposa, sem nunca interromper sua produção literária. A necessidade de dinheiro o forçava a concluir rapidamente seus livros e lhe creditou a frase “a pobreza e a miséria formam o artista”. Dentre suas maiores obras estão Crime e castigo, O idiota e Os irmãos Karamazov.

Ficha Técnica:

Autor: Fiódor Dostoiévski
Tradutor: Vadim Nikitin
Editora: 34
Páginas: 128
Ano: 2009
ISBN: 9788573262711
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